Nalva Araújo


Conta comigo sempre. 

Desde a sílaba inicial até à última gota de sangue. 
Venho do silêncio incerto do poema e sou, umas vezes constelação e outras vezes árvore, tantas vezes equilíbrio, outras tantas tempestade. 

A nossa memória é um mistério, recordo-me de uma música maravilhosa que nunca ouvi, na qual consigo distinguir com clareza as flautas, os violinos, o oboé.

O sonho é, e será sempre e apenas, dos vivos, dos que mastigam o pão amadurecido da dúvida e a carne deslumbrada das pupilas. 
Estou entre vazios e plenitudes, encho as mãos com uma fragilidade que é um pássaro sábio e distraído que se aninha no coração e se alimenta de amor, esse amor acima do desejo, bem acima do sofrimento.

Conta comigo sempre. 

Piso as mesmas pedras que tu pisas, ergo-me da face da mesma moeda em que te reconheço, contigo quero festejar dias antigos e os dias que hão-de vir, contigo repartirei também a minha fome mas, e sobretudo, repartirei até o que é indivisível. 

Tu sabes onde estou.
Sabes como me chamo. 

Estarei presente quando já mais ninguém estiver contigo, quando chegar a hora decisiva e não encontrares mais esperança, quando a tua antiga coragem vacilar. 

Caminharei a teu lado. 

Haverá, decerto, algumas flores derrubadas, mas haverá igualmente um sol limpo que interrogará as tuas mãos e que te ajudará a encontrar, entre as respostas possíveis, as mais humildes, quero eu dizer, as mais sábias e as mais livres.

Conta comigo. Sempre.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'





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