Nalva Araújo

Se o ciúme nasce do intenso amor, quem não sente ciúmes pela amada não é amante, ou ama de coração ligeiro, de modo que se sabe de amantes os quais, temendo que o seu amor se atenue, o alimentam procurando a todo o custo razões de ciúme.

Portanto o ciumento (que porém quer ou queria a amada casta e fiel) não quer nem pode pensá-la senão como digna de ciúme, e portanto culpada de traição, atiçando assim no sofrimento presente o prazer do amor ausente. 

Até porque pensar em nós que possuímos a amada longe - bem sabendo que não é verdade - não nos pode tornar tão vico o pensamento dela, do seu calor, dos seus rubores, do seu perfume, como o pensar que desses mesmos dons esteja afinal a gozar um Outro...

Enquanto da nossa ausência estamos seguros, da presença daquele inimigo estamos, se não certos, pelo menos não necessariamente inseguros. 

O contacto amoroso, que o ciumento imagina, é o único modo em que pode representar-se com verosimilhança um conúbio de outrem que, se não indubitável, é pelo menos possível, enquanto o seu próprio é impossível.

Assim o ciumento não é capaz, nem tem vontade, de imaginar o oposto do que teme, aliás só pode obter o prazer ampliando a sua própria dor, e sofrer pelo ampliado prazer de que se sabe excluído. 

Os prazeres do amor são males que se fazem desejar, onde coincidem a doçura e o martírio, e o amor é involuntária insânia, paraíso infernal e inferno celeste - em resumo, concórdia de ambicionados contrários, riso doloroso e friável diamante.

Umberto Eco, in 'A Ilha do Dia Antes'
 http://www.citador.pt/


[*O ciúme é um dos sentimentos mais dolorosos e obsessivos que existe... um bichinho imaginário que transforma-se em monstro do dia pra noite...Agiganta-se!
Vive por si só...até que se perca o interesse pelo objeto do ciúme...


Nalva Araújo]





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